O ROL da ANS deve prevalecer como regra sob pena de inviabilizar a combalida saúde suplementar no Brasil

Não obstante as discussões ainda sobre o alcance das coberturas obrigatórias na saúde suplementar, fato é que a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) , em voto condutor do Relator Ministro Luis Felipe Salomão, decidiu por maioria no último dia 08/06/22 (EREsp n. 1.886.929/SP) que o rol de procedimentos estabelecido no âmbito da saúde suplementar deverá em regra ser interpretado restritivamente, o que em linha de princípio desobriga as operadoras de saúde em custearem tratamentos não previsto no denominado rol da ANS.

As exceções que permitem eventual tratamento para além do rol da ANS, também foram alvo da respectiva decisão judicial proferida, tendo o voto do Ministro Villas Bôas Cueva asseverado quanto ao assunto, inclusive com sua incorporação ao voto do relator, para se firmar ao final as seguintes premissas:

1.  o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo;

2.  a operadora de plano ou seguro de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol da ANS se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista;

3. é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extrarrol;

4.  não havendo substituto terapêutico ou estando esgotados os procedimentos do    Rol da ANS, pode haver, a título de excepcionalidade, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo-assistente, desde que:

(i) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar;

(ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada   em evidências;

(iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e NatJus) e estrangeiros; e

(iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS”

Entretanto, após isso sobreveio as alterações na Lei de Regência dos Planos de Saúde (Lei n º 9.656/98), tudo por intermédio da Lei 14.454/2022, que, entre outras medidas, incluiu os §§ 12 e 13 ao art.  10 da citada Lei nº 9.656/98, surgindo desde então discussões que tinham sido superadas com a decisão da Corte Superior, principalmente porque se passou a propagar, equivocadamente, que a lei estabeleceu que o rol da ANS passou a ser um “rol exemplificativo com condicionantes” quando atendidos, no caso em particular, o disposto na nova redação dada ao artigo 10.

Com efeito, as novas alterações legislativas não superam as teses firmadas pela Segunda Seção do STJ. Pelo contrário, o preenchimento dos requisitos previstos pela Lei 14.454/2022 não conflita com a necessidade de observância dos requisitos firmados pela decisão do STJ, por questões lógicas.

É que, ainda que comprovada a eficácia à luz das ciências da saúde ou a existência de recomendação do procedimento ou tratamento não constante no rol da ANS e prescrito pelo médico assistente, tudo nos exatos termos da nova redação dada ao artigo 10 mediante a inclusão dos §§ 12 e 13, mesmo assim, o Plano de Saúde não estaria obrigada a fornecer o tratamento prescrito, isso caso exista para o tratamento do paciente outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol da ANS.

A propósito, cita-se decisão monocrática da Ministra do STJ,  Maria Isabel Gallotti, nesse mesmo sentido:

Não desconheço, ainda, que a Lei n° 14.454, promulgada em 21 de setembro de    2022, alterou a redação do § 4º e incluiu os §§ 12 e 13 no artigo 10 da Lei n° 9.656/98. Observo, contudo, que a alteração legislativa não disciplinou a matéria de forma distinta da ora delineada, tendo inclusive positivado algumas sugestões propostas por esta Corte: […] Nesse contexto, versando o presente processo sobre negativa de cobertura efetuada antes da entrada em vigor da novel legislação, bem como não tendo havido modificação significativa das teses firmadas no citado julgamento, entendo que a nova normativa somente se aplica aos tratamentos requeridos após a sua entrada em vigor,  a qual deverá ser observada pelo Tribunal  de origem. MARIA ISABEL GALLOTTI Relatora (REsp n. 2.027.764, Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 25/10/2022.)

A lógica disso é bastante óbvia, ou seja, permitir que uma simples recomendação médica, ainda comprovada a eficácia à luz das ciências da saúde  ou a existência de recomendação do procedimento ou tratamento não constante no rol da ANS, fosse capaz de se sobrepor a conclusão técnica da agência reguladora sobre o mesmo tratamento, procedimento ou medicamento previsto no rol, seria negar  o próprio sentido constitucional da saúde suplementar no Brasil, qual mediante a Lei nº 9.656/98 e Lei nº 9.961/00, entendeu por bem em regulamentar o que se denomina de coberturas obrigatórias.

Outrossim, ressalta-se a própria Resolução Normativa da ANS nº 470/2021 – reprisada nesse particular pela RN nº 555/22 -, que trata sobre o rito de atualização do rol da ANS, elenca a saúde baseada em evidências (SBE), como uma diretriz a ser observada no processo de atualização do referido rol (art. 3º, V), o que leva a concluir que a “novidade” decorrente da Lei 14.454/22 já estava no radar do órgão regulador  no processo de atualização do rol.

Em verdade, a legislação e demais normas regulamentares que possibilitaram a saúde suplementar no Brasil no próprio viés do legislador constituinte (art. 199 CF/88) , tal como não existe em nenhum outro lugar do mundo,  ocupando um papel vanguarda e alcance sem qualquer tipo de comparação, tem o objetivo duplo de assegurar a garantia de eficácia e segurança do tratamento e também a previsibilidade para a Operadora, não sendo admissível, repete-se, que isso seja superado mediante um recorte interpretativo da atual legislação da saúde suplementar em flagrante desiquilíbrio contratual.

Destarte, ao menos até que   se estabilizem as orientações, as diretrizes firmadas pela Segunda Seção    do STJ no julgamento do EREsp n. 1.886.929/SP, que sinalizam para a questão regulamentar da ANS, devem ser rigorosamente seguidas, pelo que em cada caso concreto deverá se observar as teses firmadas na Corte Superior.

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